quinta-feira, 10 de maio de 2012

Em Homenagem a Françoise Dolto.

O espaço livremente disponibilizado às crianças, alicerçado pela mediação da linguagem, no qual, com a escuta de um analista, o lúdico oferece ao sujeito uma “vivência cúmplice” (Dolto), recursos para se constituir subjetivamente no simbólico, sendo um trabalho de reinvenção da psicanálise que extrai toda sua potencialidade ética e estética. A dinâmica da Maison Verte elucida a função da psicanálise, não como uma especialidade, mas como uma especificidade. É importante haver rigor, Lei simbólica, com as regras estabelecidas para a operacionalidade do espaço, mas sem rigidez, sem engessamentos e predeterminações. Não há um saber a priori, uma especialidade que impõe conhecimento. Muito pelo contrário, pois é o sujeito que fala, livremente associando (livremente brincando), para construir um saber sempre a posteriori, sempre num só depois. É a enunciação, e não o enunciado que é privilegiado no trabalho de análise. Esse brincar não é entretenimento, mas sim funcional, permitindo a espontaneidade da subjetivação. O sujeito se constitui livremente, tendo como suporte a escuta do analista, e alguns empréstimos de significantes quando necessário. Uma frase da psicanalista Françoise Dolto, fundadora da Maison Verte, modelo estrutural, inspirador do trabalho que apregoa uma forma de desencastelar o psicanalista, é a que a clínica da situação-limite do Ferenczi também apontava, sobre a urgência de se deslocar o discurso médico, do falar sobre a criança, para a escuta do discurso essencialmente da criança. É a criança que sabe (o sujeito do desejo). Devemos falar com a criança, e não da criança. O psicanalista não é um mero espectador, passivo, ele é ator, sendo ativo, a serviço do analisando, não apenas interpretando em seu silêncio, mas colocando-se parcimoniosamente para que a dinâmica transferencial, o jogo analista/analisando possa fluir. A intervenção do psicanalista não deve interferir nas simbolizações da criança, quando sua de seu lugar e resiste em escutar, projetando seu material recalcado, mas sim se articulando como um parceiro do jogo transferencial (do brincar), um aliado do inconsciente da criança, doando-se transferencialmente, e utilizando o imaginário adequadamente como constituinte do mundo simbólico da criança. É fundamental que o analista possa suportar a angústia da transferência negativa, permitindo o brincar espontâneo, o gesto criativo, ricamente simbólico e subjetivante, sem sufocar e reprimir o que a criança está sentido, como dizia muito bem Winnicott. O analista deve ter tato suficiente para que, nas palavras de Dolto, o imaginário não se transforme em espuma vazia que só desembocaria em angústia. “... colocar um ser humano em sua identidade, seu espaço, seu tempo, sua linhagem; e lhe permitir as mediações imaginárias que sustentam a simbolização das relações humanas.” (Dolto) É a criança que sabe, embora não saiba que sabe, é ela que fala. Mas devemos escutar também os saberes que a atravessam, afinal, antes mesmo de nascer, a criança habita o desejo e a fantasia do Outro. Antes de se apropriar do seu sintoma, subjetivá-lo, a criança se inscreve como sintoma parental. O psicanalista deve inicialmente acolher a demanda da criança, sem necessariamente respondê-la, e, desse lugar, auxiliá-la na elaboração de suas inquietações, sustentando a construção de sentido para aquilo que insiste, repete, do sofrimento da criança que fala e que é falada (pais, escola...), a criança que demanda e que é demandada pelo mundo que a cerca. Um ambiente suficientemente bom, segundo Winnicott, propicia um espaço transicional, transferencial, no qual a ludicidade dá contorno ao mundo interno da criança, construindo simbolicamente o laço social e as potencialidades internas e externas do sujeito humano, sujeito do seu desejo. Escrito por Alex Azevedo Dias.